26 novembro 2010

A insana fase de campo da pesquisa – dicas que aprendi

Tem coisas sobre a fase de campo que ninguém revela no capítulo de metodologia da tese. Pensei que valeria à pena compartilhar no blog, já que não vai sair publicado em lugar nenhum.

Antes, para esclarecer: na minha pesquisa predomina a abordagem qualitativa, mas também utilizei muitos dados quantitativos secundários, da ANS, do CFO e do que mais pude encontrar. Tem algo de pesquisa documental, um rastreamento de notícias da imprensa na internet. E tem também entrevistas com doze dentistas. Tudo isto me manteve afastada deste blog nos últimos meses.

Sobre as entrevistas, há que se considerar a Lei de Murphy. Para me precaver, sempre levava dois aparelhos de gravação, além de anotar algumas informações em papel mesmo, no momento da entrevista. Isto me salvou várias vezes: não raro um aparelho dava defeito ou ficava com o som ruim. Anotem aí futuros e atuais pesquisadores: dois aparelhos sempre, mesmo que um deles seja um mp3 bem surrado.

Registrar alguns elementos durante a entrevista ajuda a manter o foco no entrevistado e evitar perguntas repetidas e incoerentes. Afinal, fazer uma entrevista é diferente de uma conversa informal. Não dá para supor que nas entrelinhas o informante está querendo dizer isto ou aquilo. Tem que perguntar: “você quis dizer isto?” ou “o que você quer dizer com tal palavra?”. Isto faz nos parecer meio idiotas, mas é um preço a pagar para não colocar palavras indevidas na boca do entrevistado.

Com o tempo, começamos a construir hipóteses de trabalho. Sei que muitos pesquisadores da área qualitativa vão sentir calafrios com a palavra hipótese. Entendam: não estou trabalhando com a ideia de refutabilidade de hipóteses. Mas é lógico que com o tempo começo a achar certas coisas sobre meu objeto e quero sabe se as coisas são mesmo assim. Por isso, gosto muito de expor tais “hipóteses”, ou o nome que queiram dar a isso, e perguntar se o entrevistado entende da mesma forma, se acha que é diferente. Isso ajuda a entender melhor a lógica dos processos, não tenham dúvida.

Uma dica preciosa para pesquisa: conheçam o Express Scribe. Mesmo que não sejam vocês mesmos a fazer a transcrição, é legal apresentar este programa maravilhoso para quem vai executar esta tarefa inglória. Economiza muito tempo nesta fase, é essencial.

Quando os manuais de metodologia falam que vem a fase de impregnação pelas entrevistas, eles não estão brincando: trata-se de impregnar mesmo. Revisar (quando outra pessoa transcreveu), imprimir, ler, reler, rabiscar, voltar a rabiscar e decorar o que está dito ali. As doze entrevistas que fiz moram hoje na minha cabeça. Não importa se depois vocês usem o N-Vivo ou Weft-QDA para sistematizar o material: nada substitui o ser humano por trás de tudo. Tive uma professora de metodologia no mestrado que era contra a utilização destes softwares. Dizia que era um erro chamá-los de programa de análise (no que está certa), e que o máximo que fazem é economizar três semanas de trabalho. Mas eu pergunto: quem não quer poupar três semanas de trabalho?

Todos já devem saber, mas nunca é demais repetir: diário de campo não é só pra quem faz etnografia. Vocês têm que ter um caderno ou arquivo no computador (prefiro papel mesmo, nasci no século XX) onde possam escrever tudo, qualquer ideia, por mais louca ou boba que seja. Um espaço para registrar sem censura tudo o que passa pela cabeça. A auto-censura vem depois. A tesoura do rigor metodológico vem depois.

Esta tem sido minha rotina nos últimos meses. Há momentos de cansaço, mas também outros de enorme satisfação. E eu estava precisando escrever um pouco sobre isso.

P.S.:
Um agradecimento especial a Leonardo, que ajudou na hercúlea tarefa de transcrição. Precisando, falem com ele. Lá no comecinho da jornada, quem me ajudou foi Monique, mas ela não está mais trabalhando com transcrições.

P.S. 2:
Aqui encontram algum artigos sobre metodologia qualitativa em saúde.